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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 03/02/13


A Pequena Vítima de Salve Jorge

Criança só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que ela

Quando Salve Jorge começou, disse a mim mesma que não veria um único capítulo. Ainda estava meio surda por causa da gritaria de Avenida Brasil e queria minha paz de volta. E assim foi: não assisti aos primeiros capítulos. Mas aí, um dia, gostei de adiante  lembrei que o ótimo Alexandre Nero estava no elenco, além do colírio do Domingos Montagner, e passei a simpatizar com a maquiavélica Wanda de Totia Meireles, e quando dei por mim, havia sido capturada para o dramalhão mais inverossímil da televisão brasileira – ou alguém consegue aguentar a moscona da Morena que, com a finada Jéssica, passava as tardes na casa da delegada sem conseguir denunciar que havia sido traficada?

Me irrita a trouxice das personagens femininas da maioria das novelas. Acho louvável que a autora Gloria Perez procure usar o maior petardo da programação da Globo para trazer à tona assuntos pouco discutidos pela sociedade, como é o caso do tráfico de pessoas, mas a forma canastrona com que esses dramas costumam ser apresentados faz com que eles pareçam pouco reais.

O que tem me deixado chocada nessa novela não é a seringa que o personagem de Claudia Raia leva na bolsa para algum imprevisto ou os tapas que o parrudo Russo distribui no cativeiro das beldades. O que me cala e me constrange é uma criança que está sendo manipulada pelo pai  em meio a um divórcio litigioso. Aquilo ali, sim, é real, muitíssimo comum e igualmente criminoso. 

Não consigo imaginar nada mais brutal do que dizer para um filho: “Tua mãe não te ama”. O mesmo vale para mães que dizem isso aos filhos a respeito dos pais. Quem faz essa covardia com uma criança é quem verdadeiramente não a quer bem. Usar o sentimento de inocentes a fim de atingir um cônjuge que passamos a odiar é de uma agressividade tão letal quanto uma injeção no pescoço, tão dolorido quanto um soco de um brutamontes.

Nem todos que agem assim o fazem por maldade. Muitos o fazem por ignorância. Mas até ignorantes deveriam possuir alguma sensibilidade para entender que uma criança necessita de segurança emocional e não de ser envolvida nas brigas de um casal que um dia resolveu se unir, e que mais adiante resolveu se separar. Casamento não precisa ser para sempre, mas a responsabilidade parental, sim.

Crianças não conseguem processar direito o que vivenciam. Assumem culpas que não possuem, fantasiam abandonos, se responsabilizam pela infelicidade dos pais, e pior do que tudo, se sentem desprotegidas em um lar briguento. Crescem e se tornam homens e mulheres paranoicos, inseguros, acovardados diante da vida.

É uma tecla insistentemente batida, mas pouco escutada: criança precisa ser amada. Não precisa de um iPhone aos nove anos, não precisa ir a Disney antes de ser alfabetizada, não precisa de um guarda-roupa de estrela de cinema. Precisa ser amada. Sai de graça.Só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que ela.



Jornal Zero Hora - 03 fevereiro 2013
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5 comentários:

  1. Martha é fantástica! Discorre sobre um tema tão complexo como a alienação parental de forma simples e objetiva!
    Um abraço, Lu!

    p.s.: seu e-mail havia ido para a minha Lixeira, por isso não o respondi, viu?!

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  2. Concordo totalmente ,com tudo que foi abordado neste texto.Principalmente com o que diz respeito ao comportamento de determinados pais,em relaçao aos filhos no momento de uma separaçao,quando um passa o tempo so condenando o outro,e ninguem assume suas deficiencias,fazendo das crianças deposito de culpa,e bodes espiatorios,tornando-os pessoas revoltadas,covardes,e cheios de culpas que os mesmos nao tem.

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  3. À todos os meus amigos, ofereço esta linda mensagem, que tocou o meu coração e acredito tocará muito o corações de todos vocês.

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  4. Maravilhoso! Só discordo de uma coisa. Que casamento não precisa durar pra sempre. Porque não há como criar um ambiente completamente saudável emocionalmente para uma criança sem a presença diária dos pais. Os dois tem um papel fundamental para a criança, emocionalmente falando. Por melhores que sejam as "mães-pais" e os "pais-mães" uma lacuna vai ficar aberta. Digo isso como alguém que passou por tal situação e, mesmo tento um padrasto maravilhoso em que eu amo como meu pai, nunca foi a mesma coisa. Meu pai não estava lá. Ponto. Ou alguém consegue dizer que não precisava do pai e da mãe todos os dias quando criança?

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Vem cá, me dá um abraço?!?!?

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