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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 27/01/16

Um tanque paz e amor

Acompanhei pelas redes sociais uma convocação para que artistas e psicodélicos em geral se reunissem junto ao tanque que esteve exposto na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, a fim de dar a ele um aspecto mais lúdico: pintá-lo, colori-lo, forrá-lo de flores. Gostei. Seria uma manifestação crítica, porém pacífica, e de quebra enfeitaria a cidade.

Mas nem todos aprovaram a iniciativa. Alguns consideraram que o ato seria desrespeitoso com o Exército Brasileiro e muitos reclamaram de que há coisas mais urgentes às quais se dedicar.

Quanto ao Exército Brasileiro, não vi razão para que a instituição se sentisse agredida pela pintura de um blindado inoperante. Tanque é um veículo bélico. Mesmo quando em missão de defesa, não deixa de ser uma arma. Colori-lo não significaria extingui-lo. Seria apenas uma maneira divertida de lembrar que o espírito da cidade deveria combinar mais com paz do que com guerra.

Quanto ao fato de haver coisas mais importantes a serem focadas, nem se discute. Ou melhor: se discute à exaustão, como estamos fazendo em relação à segurança do Estado. É fundamental essa pressão para que o governo reverta o quadro de criminalidade, mas apenas se queixar não adianta. Já que segue massiva a resistência à legalização das drogas, que talvez contribuísse para a diminuição da violência, que tal se os consumidores parassem de usá-las a fim de enfraquecer o tráfico, que tem influência determinante no assunto? Utopia, eu sei, mas, quando não há recursos, é preciso investir em ideias, mesmo que delirantes.

Voltando às prioridades: colorir muros, por exemplo, é mais importante do que colorir um tanque, ok. Consertar calçadas, sinalizar ruas, pavimentar rodovias, mais ainda. Equipar postos de saúde, construir escolas, alimentar crianças, muito mais, muito mais. Na escala hierárquica dos problemas, um tanque na esquina é fichinha. Mas essa tendência de desprestigiar uma determinada mobilização só porque deveríamos canalizar nossa energia para outra de maior relevância é um convite à paralisação – acaba que ninguém faz nada.

Lutar pela despoluição do Guaíba é mais grandioso do que organizar um mutirão entre amigos para limpar a areia da praia, assim como inaugurar uma biblioteca é mais eficaz do que deixar um livro num banco de praça para que outra pessoa o leia, mas importante mesmo é deixarmos de ser tão patrulheiros e pararmos de depreciar a boa vontade de quem escolheu um gesto, mesmo que pequeno, para fazer a sua parte por um mundo menos ordinário.



Jornal Zero Hora - 27 janeiro 2016
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