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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 09/12/15

Zé, Isabel e Chico


Pai, mãe: obrigada.

Obrigada por vocês gostarem de música. De música boa. De música clássica, de jazz, de blues, de Beatles, de Astor Piazzola, de Janis Joplin e de música popular brasileira.

Obrigada por não terem sido caretas. Por terem trazido para casa Raul Seixas, Tim Maia e Mutantes quando eu e meu irmão éramos dois pirralhos que ainda escutavam histórias infantis em disquinhos coloridos – cuja trilha sonora era espetacular também. Pedro e o Lobo, como esquecer? Misto de medo e fascínio.

Obrigada por terem comprado, no dia em que chegou às lojas, o compacto de Alegria, Alegria, de um magrão baiano que recém despontava. Pelo compacto de País Tropical, do Jorge Ben. Pelo compacto de Aquele Abraço, do Gil. Pelo compacto de Ponteio, do Edu Lobo. E de depois pararem de economizar com os compactos e passarem a comprar LPs. Por terem investido naquele primeiro disco da Gal, que tinha Divino Maravilhoso, Não Identificado, Baby. Obrigada pelos discos do Vinicius e Toquinho, dos quais aprendemos todas as letras de cor e infernizávamos vocês cantando no banco de trás do Karmanguia.

Obrigada por nos chamarem para assistir à Jovem Guarda na tevê. E aos Festivais da Canção. Toni Tornado na BR-3. A família toda imitando aquela dança. Era divertido, eu lembro.

Obrigada por terem me levado ao Gigantinho para assistir a Secos & Molhados, uns malucos que ninguém sabia de que planeta vinham, mas que vocês já previam que seriam históricos. Obrigada por terem me levado ao Teatro Leopoldina para ver o show da Elis. Obrigada por terem me levado para ouvir Chico e Bethânia cantando juntos no Canecão, no Rio. Eu não tinha mais do que 13 anos.

Falando em Chico Buarque.

Depois de ter assistido ao documentário sobre sua vida, depois de ter rido, cantarolado e me emocionado durante as duas horas do filme, me bateu essa gratidão por tanta arte e delicadeza. Fiquei lembrando todos os discos dele que tínhamos, de cada música que escutávamos juntos na sala, do impacto que a letra de Construção me causou, de como Roda Viva me arrepiava, daquele álbum gravado ao vivo com Caetano no Teatro Castro Alves, de como o acesso a tanta qualidade influenciou na adulta que me tornei, na poeta que me aventurei ser, em tudo o que resultou disso.

Eu sei: obrigada também por Monteiro Lobato, óbvio. Mas não fui estimulada apenas pelos livros que li. Pessoas que escrevem obedecem a uma melodia interna. Por ter sido submetida a uma imersão musical tão simples e refinada é que hoje meus sentimentos têm cadência, mantenho afinados os meus pensamentos e viciei em entrelaçar ritmo e bom gosto. Talento? Devo um pouquinho à sorte, mas sem os instrumentos que vocês me deram para crescer, ninguém hoje estaria me escutando.



Jornal Zero Hora - 09 dezembro 2015
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Vem cá, me dá um abraço?!?!?

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