.

.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 16/12/15

Tortas, ovos, tomates


“Há infinitas formas de subversão, mas poucas se equiparam, em comodidade e eficiência, à torta de creme.” Assim o ator e anarquista belga Nöel Godin, de 70 anos, defende a atividade pela qual ficou conhecido mundialmente: protestar melecando a cara dos outros. Godin já jogou tortas contra os rostos do coreógrafo Maurice Béjart, da escritora Marguerite Duras, do ex-presidente Nicolas Sarkozy e do cineasta Jean-Luc Godard. O filósofo Bernard-Henri Lévy, a quem ele considera um prepotente, foi premiado cinco vezes com essa experiência, mas Godin só conseguiu a repercussão que buscava quando escolheu um alvo mais pop, e assim Bill Gates levou a sua tortada em 1998. Segundo o arremessador, é um protesto não violento a fim de “matar os poderosos através do ridículo”. Se entendi bem, é praticamente uma ação humanitária.

A editora da Vogue, Anne Wintour, já foi alvejada pelo pessoal do Peta, que não gosta nadinha de ver casacos de peles sendo publicados em revistas de moda. Aqui no Brasil, um dos casos mais conhecidos foi aquele em que o então presidente do PT, José Genoino, dava uma entrevista coletiva num hotel em Porto Alegre quando foi surpreendido pela manifestação dos “Confeiteiros sem Fronteiras”, em 2003.

Há quem encare a cena com bom humor, até porque essa prática começou com o primeiro filme de o Gordo e o Magro. Pode ser, mas é certo que o jornalista iraquiano Al-Zaidi não estava para brincadeira quando jogou um sapato no ex-presidente George Bush durante uma conferência de imprensa em Bagdá, em 2008. Não sei se Bush já aguardava para qualquer momento um solado no meio da testa, o fato é que ele teve destreza e escapou da humilhação.

Nem todos conseguem evitar. O mais recente da turma, como se sabe, foi o senador José Serra, que durante um jantar em Brasília, ao chamar a ministra Kátia Abreu de namoradeira, recebeu um jorro de vinho que escorreu da careca ao queixo.

Namoradeira. Fazia tempo que eu não ouvia essa palavra. Desde que era garota e ficava lendo livros e mais livros em casa, enquanto alguma tia dizia: “Essa menina deveria ser mais namoradeira”. Eu também tinha vontade de jogar minha enciclopédia Barsa contra aqueles que me julgavam, mas naquela época ainda se acreditava num troço chamado bons modos e só me restava liquidar os injuriantes com meu silêncio demolidor – e continuar a leitura.

Uma amiga me contou que na Itália é comum mulheres derramarem o conteúdo de seus cálices no rosto de namorados, maridos e afins – é considerada uma atitude romântica, veja só. Um italiano que não leve sua amada à exasperação manterá a camisa limpa, mas carregará para sempre uma mancha em seu currículo: será visto como um homem que não provoca passione.

Conclusão? Absolutamente nenhuma. Vá que você não concorde.



Jornal Zero Hora - 16 dezembro 2015
.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vem cá, me dá um abraço?!?!?

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...