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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 03/02/16

Sentimentalismo


Li um texto divertido sobre as praias gaúchas (ah, sempre elas, as vítimas clássicas de todo verão). O autor, Giovani Groff, descreve Hermenegildo, depois Cassino, até chegar a Quintão, Magistério, Pinhal, Cidreira, Mariluz, Tramandaí, Xangri-lá, Capão, Arroio do Sal e Torres – e mais o que existe no caminho entre elas. Claro que é uma pegação de pé danada, e mesmo quem já foi feliz nas areias do litoral gaúcho, como eu, deixa o sentimentalismo de lado e dá boas gargalhadas.

Só que resolvi ler também os comentários sobre o texto, e aí confirmei: essa história de deixar o sentimentalismo de lado não é uma de nossas qualidades – aliás, nem é considerada uma qualidade.

Houve quem, contrariado com o texto, enaltecesse nossa região serrana – que nada tinha a ver com o assunto. Teve quem aproveitou a oportunidade para esculhambar Santa Catarina por estar com algumas praias poluídas – o que também não vinha ao caso. Era só um texto engraçado, mas os advogados de defesa do Rio Grande não saem de férias, estão sempre de plantão.

Este pequeno e desimportante episódio da série “não falem mal das nossas praias” me fez pensar que o sentimentalismo barato não é exclusividade nossa. O Brasil inteiro é assim.

Não sou nenhum bloco de gelo e acho que, enquanto nos emocionarmos, há salvação. Mas a afetação excessiva geralmente desvia a criatura do foco. Um exemplo antigo, mas ilustrativo: a Seleção Brasileira na última Copa. Aquela choradeira dos jogadores. O hino cantado como se o time estivesse diante de um pelotão de fuzilamento. As camisetas e bandeiras homenageando Neymar, como se ele tivesse sido vítima do Estado Islâmico. Isso não é ser emocional. É piegas. Um pouquinho menos de passionalidade e a gente teria perdido por 3 x 1, bem mais razoável.

Os alemães são secos? Os ingleses são frios? Os franceses são antipáticos? Estereotipando, é verdade, assim como é verdade que os brasileiros são alegres e afetivos, um atributo louvável. Mas os alemães também se apaixonam, os ingleses se comovem e os franceses são gentis, então seria natural que os brasileiros também fossem sérios e racionais, não?

Não. É nesta busca de equilíbrio que a gente peca. Temos pavor de deixar o sentimento de lado em prol de um raciocínio lógico. É como se, ao abrir mão do nosso perfil emotivo, perdêssemos a identidade. Queremos fazer amigos em cada bar, queremos ser amados, queremos contagiar com nossa faceirice e simploriedade. A ideia é encantar e seduzir através do nosso gigantesco coração. Só que, calorosos desse jeito, a autocrítica, que nasce do intelecto, desaparece. Sem autocrítica, como amadurecer?

Um Brasil um pouquinho mais cerebral e seríamos outro país.



Jornal Zero Hora - 03 fevereiro 2016
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