Burrocracia
Recebi convite para participar de um evento literário em João Pessoa. Já quase não viajo a trabalho, preciso ficar mais tempo no meu escritório, mas respondi que, dependendo da data, talvez conseguisse ir. Foi então que me chegou uma lista de documentos que eu deveria providenciar para viabilizar minha participação.
Não acreditei. Nem para um ex-presidiário acusado de desfalque do Banco Central exigiriam tamanha quantidade de certificados de idoneidade moral e financeira. Eu teria que passar uma semana percorrendo cartórios e contratar um ou dois advogados. Muito grata, mas fica pra próxima.
Nunca vi um país se entravar tanto. Nada avança em ritmo razoável. As incensadas obras prometidas para a Copa do Mundo são apenas um exemplo. Afora maledicências, pilantragens e disputas de poder, ainda temos a questão da papelada: é 1 milhão de pareceres, assinaturas, carimbos e rubricas que impedem o andar da carruagem. Pois é, ainda estamos nos tempos da carruagem, trotando.
Durante a enxurrada que desabou sobre Porto Alegre, semana passada, tivemos mais do mesmo: ruas alagadas nos pontos de sempre. Ok, o asfalto não absorve a água, o lixo é jogado em locais impróprios e choveu o esperado para o mês inteiro. Mas não há pessoas dentro das secretarias de governo sendo pagas para resolver os problemas da cidade?
Vai chover de novo, e forte. E os carros ficarão boiando, poucos conseguirão chegar ao trabalho, o comércio terá que fechar, moradores perderão seus móveis, grávidas terão que ser retiradas de barco de dentro de suas casas. É um déjà vu recorrente.
Como não imagino que haja almas satânicas por trás da nossa administração, só posso pensar que a burocracia tem algo a ver com isso. Quantos estudos, laudos, aprovações, orçamentos, prazos remarcados, projetos refeitos serão necessários para resolver nossas pendências? É o país da novela, de fato.
Fizemos progresso na emissão de documentos pessoais – hoje se pode tirar uma certidão de nascimento ou uma carteira de identidade sem trâmites e demoras, mas ainda falta, como falta, para a gente ser uma nação que flui. A expressão “é pra ontem”, que configura a pressa, passou a ser literal. Não conseguimos sair do ontem e entrar no amanhã.
Os reféns da burocracia se defendem dizendo que não é culpa deles, exige-se o cumprimento da lei, e estão certos, senão vira bagunça. Mas alguém lá em cima, com a caneta na mão, tem o dever de promover mais agilidade nesse Brasil que só é rápido na informalidade. Há que se encontrar um meio de trabalhar de forma legal e ao mesmo tempo atender as demandas em prazo de país desenvolvido, que é o que almejamos ser.
O que é preciso para promover a desburocratização? Claro, uns 3.479 estudos de viabilidade. Pocotó, pocotó.
Jornal Zero Hora - 21 março 2012
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