Nada é suficiente
Geralmente, quando uma peça está completando sua primeira hora de duração, as pessoas começam a se movimentar na cadeira, numa linguagem corporal que avisa: tempo esgotado. Já fizemos nossa parte, viemos ao teatro, então, por gentileza, não abusem da nossa paciência, que estamos com fome e queremos jantar. Pois quem assiste a A Primeira Vista, com Drica Moraes e Mariana Lima, além de não se inquietar na cadeira, tem vontade de perguntar assim que o espetáculo termina: “Já?”.
Eu, pelo menos, lamentei não ficar até meia-noite assistindo a essas duas incríveis atrizes num levíssimo exercício de atuação que envolve tudo o que mais prezo na vida: a simplicidade, o bom humor, o afeto e a poesia – não necessariamente o poema em verso, mas o olhar poético que deveríamos resgatar todos os dias para viver com menos embrutecimento e mais ternura.
Falou em leveza, falou em bom humor: ah, só pode ser abobrinha. Longe disso. A peça, a que assisti cerca de um mês atrás no Rio (e que estará em Porto Alegre no próximo fim de semana e em Pelotas na terça, 26), é sofisticada em sua economia, refina os sentidos e faz um convite à reflexão: “Nada é suficiente”. É a frase que norteia o texto do canadense Daniel MacIvor : “Nada é suficiente”. Que leitura você faz disso?
Que nada nos serve? Que queremos sempre mais? Para muitas pessoas, é assim. Elas mantêm a angústia da perseguição. Nem sabem o que estão perseguindo, só sabem que não conseguem se satisfazer com o que têm.
Pois a frase pode ser lida de outro modo: o nada basta. Não precisamos de tanta racionalização, de tantos planos, de intermináveis discursos e indiscrições para ocupar nosso vazio. O nada é o silêncio. O nada é o sentimento pelo sentimento. O nada é a contemplação da natureza. O nada é a paz. Essa paz que tanto desejamos, sem saber o que fazer com ela quando a alcançamos.
Cada um entende a frase conforme o momento que está vivendo. Mesmo reconhecendo que a segunda leitura é meio odara para estes tempos frenéticos, é com ela que ando comungando atualmente. Menos blá-blá-blá, mais ukelelê – o instrumento usado pelos havaianos cujo som é quase infantil e que tem na peça sua função enternecedora. Uma vida unplugged, não é um sonho?
Pra mim, foi. Foi um sonho ver duas atrizes afinadíssimas entre si, dirigidas pelo competente Enrique Diaz e extremamente bem iluminadas – em todos os sentidos. Drica e Mariana simplesmente interpretam a inutilidade de ficarmos interpretando tudo. Genial.
Aliás, melhor mesmo nem interpretar a atitude do Lula ao se aliar com o Maluf para garantir 1min35seg a mais de propaganda eleitoral na TV. Decência, dignidade, tudo escorrendo pelo ralo, e o Brasil mais uma vez tendo que assistir ao pior tipo de teatro, esse horror show da nossa política.
Jornal Zero Hora - 20 junho 2012
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