Não é um espaço repleto de nuvens brancas com anjinhos tocando harpa, e também não é uma gruta tomada por labaredas com um diabo segurando um tridente a fim de te espetar.
Céu e inferno são, ambos, lugares terrenos, com endereço, código postal e localizáveis pelo GPS.
Minha ideia de céu: uma praia vazia, mar cristalino, muita natureza, um dia de sol.
Minha ideia de inferno: uma piscina coletiva com alto-falantes tocando música como se fosse uma quadra da comunidade. Céu: um quarto em penumbra, uma cama com lençóis limpos, ar-condicionado suave, o amor da sua vida ao lado.
Inferno: um quarto abafado, lençóis amarfanhados há três semanas, mosquitos e o amor da sua vida de mau humor. Céu: estrada bem pavimentada e bem sinalizada, paisagem espetacular. Destino: férias.
Inferno: viajar na estrada ao lado de um motorista que ultrapassa em faixa amarela contínua, corre demais e gruda, presunçosamente, na traseira do carro em frente. Ou: motorista tão cauteloso que te exaspera. Dirige a 50km/h, não ultrapassa ninguém (espera o caminhão sair da estrada por conta própria, mesmo que isso demore uma vida) e coloca o pé no freio a cada 15 segundos, por nada.
Céu: cinema com lotação pela metade, filme formidável, ninguém comendo, bebendo ou fuçando no celular.
Inferno: cinema hiperlotado, filme arrastado e uma criatura atrás de você violentando um saco de balas e sugando ruidosamente pelo canudo a última gota do refri, além de rir em cenas que não tem a menor graça.
Céu: muitas vagas no estacionamento. Inferno: nenhuma, e você está atrasado.
Céu: chove, está friozinho, você acendeu a lareira, tem um livro incrível em mãos, escuta um disco do Sthephany Grapelli, o vinho tinto e os queijos estão sob a mesa de centro, e seu namorado está por chegar com os beijos.
Inferno: venta, você acaba de chegar de um aniversário de criança, a tevê passa um programa com tradução simultânea, o interfone toca e é o porteiro chamando para a reunião de condomínio em que elegerão o novo síndico: parabéns, sua vez chegou.
Céu: conversa inteligente e divertida com os amigos. Não se fala em política. Inferno: festival de abobrinhas e infantilidades. Não se fala em política. Céu: dinheiro extra, inesperado. Inferno: despesa extra, inesperada.
Céu: seu voo sairá no horário e, ao entrar na aeronave, o assento ao lado está vazio. Ao desembarcar, sua bagagem é a primeira a aparecer na esteira.
Inferno: atraso de voo, fila imensa no banheiro do aeroporto, preço exorbitante do cafezinho. Depois de um tempão esperando para embarcar, você se acomoda no seu assento e ao lado tem alguém querendo conversar – adeus, cochilada.
Céu: quem está querendo conversar é o Wagner Moura.
Jornal Zero Hora - 21 fevereiro 2016
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Vem cá, me dá um abraço?!?!?