Saí do cinema não apenas comovida com o filme A Garota Dinamarquesa, mas com a certeza de que, se chegássemos mais perto uns dos outros, o mundo seria bem menos preconceituoso. Pra quem ainda não sabe do que se trata, é a história real da pintora Lili Elbe, que nasceu Mr. Einar Wegener e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo. O filme mostra como Einar, durante seu casamento, descobre-se mulher num corpo de homem e o quanto sua esposa o ajudou nessa difícil transição – isso nos anos 1920. O que para muitos pode soar como bizarrice é na verdade uma história de amor com uma profundidade que raramente se vê.
Você convive com algum transexual? É amigo íntimo de algum deles? É provável que não. Eu também não. No entanto, temos opinião formada sobre eles e sobre todo mundo. Pretensiosamente, achamos que sabemos como pensam e sentem pessoas com quem nunca trocamos nem duas palavras.
Estamos interligados por aparelhos que cabem na palma da mão e a sensação é de onipotência: nunca estivemos tão informados sobre tudo e tão perto de todos. Uma ilusão, claro. Continuamos com o mesmo número de amigos verdadeiros – poucos. E com o mesmo acesso às suas almas – quase nenhum.
Pessoas convivem, mas não se conhecem. Quem você permite que chegue bem perto das suas dores? A quem você dá a senha para que entre e enxergue aquilo que transtorna você?
O combinado é ninguém chegar muito perto de ninguém para não correr o risco de se envolver. Não queremos nos envolver, só queremos dar palpite.
Então vem um filme e mostra como funciona a história por dentro. De uma forma sensível e delicada, expõe toda a complexidade de uma existência, todo o árduo processo de se transformar em quem se é.
Vale para um homem que se sente mulher, mas valeria também para um negro que luta para ter sua raça respeitada, um jovem que é dependente de drogas, uma moça casada que não deseja ter filhos, um deficiente visual que se descobre apaixonado, um idoso com pouco tempo de vida, um pai de família que foi demitido, um jovem idealista que sonha entrar para a política, uma atriz que tem sua intimidade exposta pela imprensa – se soubéssemos pra valer o que cada um desses desconhecidos sente na pele, como as reações externas os atingem, o esforço que fazem para defender o direito de ser quem são, o quanto agonizam diante das próprias fragilidades, não seríamos mais tolerantes?
Bastaria reduzir um pouquinho o tempo gasto nas redes sociais e ir mais ao cinema, ler livros, assistir a uma peça. É pra isso que serve a arte. Para nos tirar da superfície e dar um zoom no subterrâneo da emoção alheia, lá onde tudo se explica.
Jornal Zero Hora - 24 fevereiro 2016
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