Nós, o povo
Ninguém tem bola de cristal pra saber como
terminará este inquietante 2016, mas acredito que o momento é perfeito para
deixar de lado a disputa entre coxinhas e petralhas e pensarmos juntos no país
que desejamos para o futuro. Nunca participei de nenhuma manifestação, pois não
concordava com o espírito partidário das mesmas e não tinha vontade de caminhar
lado a lado com alguns reaças notórios, mas, a partir de 16 de março, aderi ao
constrangimento e à vergonha nacionais. Ficou confirmado tudo o que intuíamos:
nossa classe política é um desastre. Todos os governos fizeram algo de bom
durante suas gestões, mas a volúpia pelo poder e pelo dinheiro sempre estraga
tudo.
Admito que me incomodam os grampos telefônicos realizados recentemente,
considero violência qualquer invasão de privacidade, mas a situação é de guerra
e estão todos usando as armas que têm – de ambos os lados. Não é uma coisa
bonita de se ver, mas é o que temos pra hoje.
Qual o nosso papel nisso tudo? É preciso ter
consciência de que a corrupção não começa no governo: termina ali. Começa
dentro de nossas casas, no trânsito, no nosso cotidiano civil. Somos um povo
que passa trote em telefones de emergência, que falsifica carteiras de
estudante, que faz gato para roubar energia elétrica e telefonia a cabo, que
atravessa a rua fora da faixa de pedestre, que alerta os carros velozes na
estrada para o radar que está logo em frente, que estaciona em vaga para
deficientes e idosos, que forja atestados médicos para faltar ao trabalho, que
molha a mão do policial para evitar multas, que pula catracas, que guarda lugar
em auditórios para os amigos atrasados, que leva para casa cabides de hotéis,
que joga lixo nas calçadas, que acha normal não cumprir o horário combinado,
que falsifica a assinatura dos pais, que adultera o odômetro do carro antes de
vendê-lo e mais um longo etcetera. Não estou falando dos outros, e sim de nós.
Sem isenção. Os políticos não vêm de Marte, eles são frutos desta mesma
sociedade. Nunca teremos representantes éticos se não formos uma sociedade
ética.
Então, tudo bem ocupar as avenidas e protestar, mas
sem hipocrisia: ou a gente muda, ou nada muda. Que essa catarse coletiva leve
em consideração a nossa responsabilidade nisso tudo. Que aproveitemos para
amadurecer e reconstruir essa nossa mentalidade viciada em jeitinhos. E que,
finalmente, venham novos dias.
Jornal Zero Hora - 23 março 2016
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Vem cá, me dá um abraço?!?!?