Ela estava em frente à tevê, na sala, assistindo a mais uma excitante edição do Jornal Nacional, que naquele momento mostrava a entrevista feita com o porteiro de um prédio de luxo cujos apartamentos haviam sofrido um arrastão. Nisso, surge o filho vindo do quarto, enfiando a carteira no bolso da calça e se aproximando para dar um beijo de tchau.
– Tchau, mãe.
– Onde é que você vai?
– Vou pegar a Ana e vamos a um bar encontrar uns amigos.
– Você não está pensando em ir pra rua nesse estado.
– Não entendi.
– Com essa roupa, não vou deixar você sair de casa.
– O que tem minha roupa?
– Vão confundir você com um bandido, meu filho. Vai lá dentro se trocar, a Ana espera.
– Bebeu, mãe? Vou trocar nada. O que tem de errado com a roupa? Comprei esta camisa ontem, custou uma nota.
– Pois é.
– E a calça? É a melhor que eu tenho.
– Tô dizendo. Parece um fora da lei.
– Engraçadinha, virou piadista agora. Tchau, não volto tarde.
– João Guilherme, eu não estou brincando. Não criei filho para ser parado em blitz no meio da rua, colocando mão pra cima de capô de viatura. Vai lá dentro e te desarruma um pouco.
– Mãe...
– Tá me olhando com essa cara por quê? Você não viu essa reportagem que acabou de passar? Eram quatro os assaltantes, um mais engomadinho que o outro. E a Aline, a vizinha aqui do 302, você não soube? Trouxe um meliante pra casa achando que tinha encontrado o príncipe encantado. Maior pinta de deputado. Na manhã seguinte, quando acordou, descobriu que o príncipe havia feito a limpa no apartamento. O retrato falado dele poderia estampar a capa do catálogo do Giorgio Armani. E você querendo sair na rua nessa beca.
– Você tem que parar de ver televisão.
– E você tem que parar de ser tão alienado, João Guilherme. Parece que não sabe em que mundo vive.
– Tchau, mãe, quanto mais cedo eu sair, mais cedo eu volto. Tenho reunião amanhã de manhã no banco.
– Não inventa de ir de gravata. Juízo.
Jornal Zero Hora - 27 abril 2016
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