Quando me chamaram para participar do Saia Justa gravado em Porto Alegre, pensei: adoro o programa, mas as garotas já estão afinadas, são ligeiras, como acompanharei o ritmo da conversa? Mesmo assim, aceitei o convite, honrada, e adivinhe o que aconteceu: o óbvio. Elas arrancaram risadas da plateia, encantaram a todos, enquanto eu me senti ligeiramente deslocada. Fazer o quê? Celebrar a experiência e tocar em frente.
A ótima Astrid Fontenelle, que comanda o talk show, em certo momento quis saber onde cada uma de nós se infiltraria caso pudesse ser uma mosquinha. Uma falou que gostaria de observar o que acontece na escola do filho, já que ele só fala por monossílabos. Outra entraria na casa do Tony Ramos pra saber como ele faz para ter um casamento feliz por 40 anos.
Outra entraria na casa da Grazi Massafera pra saber se ela realmente come de tudo, sem fazer dieta. Respostas espirituosas pipocavam e eu suava frio: socorro, eu não gostaria de peruar os bastidores de ninguém. Quando chegou minha vez, em vez de dizer algo divertido, assumi: não é esse o tipo de voyeurismo que me atrai.
Então qual é, santa?
Respondi que me sinto uma mosquinha quando leio livros. Escutei alguém sussurrar “hum, interessante”, mas deviam estar pensando: o que essa gaúcha afetada está fazendo no meio da gente?
Não desenvolvi o assunto, não era tão interessante assim, mas pra você, que tem paciência comigo, vou adiante: sim, quando leio um livro, tenho um prazer quase erótico de mergulhar com o personagem naquela vivência inventada que me soa mais realista do que os posts das redes sociais. Durante a narrativa, sou apresentada ao protagonista, sei de onde ele veio, conheço os motivos profundos que o fazem se comportar daquele jeito, entro em seus pensamentos, ele compartilha comigo sua ansiedade, enxergo todas as nuances de sua vida complexa e contraditória.
É uma relação a dois. Eu me comovo, me espanto, me apaixono. É dessa intimidade que extraio inspiração para realizar meu trabalho e também para lapidar minha história pessoal, já que estou constantemente in progress.
Poderia ter dito a elas que gostaria de ser uma mosquinha na cozinha do meu restaurante favorito, na hora em que o editor recebe meu novo original, na sessão de terapia dos meus ex-namorados, durante o happy hour das minhas amigas num dia em que não pude ir. Tudo mentira. Não sinto vontade de flagrar transgressões, antecipar acontecimentos ou descobrir o que falam de mim pelas costas. Há maneiras mais elegantes de bisbilhotar.
Todo mundo pode ser uma mosquinha quando lê. Você, por exemplo, agora.
Jornal Zero Hora - 01 junho 2016
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