ATLETAS
Meu lugar não é no pódio, e sim na arquibancada, na plateia, na frente da tevê
Em passo acelerado, cruzo com outro caminhante, ambos orgulhosos do nosso feito: num sábado de manhã gelado, não estamos embaixo das cobertas, e sim na rua, colocando as pernas em movimento, o corpo em marcha, isso em plena meia-idade. Ninguém diz. De legging, tênis, rabo de cavalo, fone de ouvido, ninguém diz nada. Esforçados não merecem críticas, apenas incentivo, ou no mínimo um silêncio cúmplice.
Nunca fui uma atleta. Joguei caçador quando criança, andei muito de bicicleta, mas não era uma esportista. Depois me atrevi ao vôlei, mas só um pouquinho. Tentei o tênis uma tarde e meia, não rolou. Frequentei academias de jazz por anos, mas dança é arte, não esporte. O frescobol vingou e vinga até hoje, mas não existe gaúcha no ranking. Fiz meia dúzia de aulas de beach tênis, mas parei quando esfriou. Trilha, só em viagens de aventura, não são cotidianas. No final das contas, me restou a literatura, a mais sedentária das atividades.
Faço pilates há quatro anos e mereceria ao menos um bronze pelas acrobacias que minha instrutora exige, mas o Esporte espetacular me esnoba, nunca irá me filmar, e também ninguém jamais me flagrou conduzindo um caiaque numa praia da Tailândia ou escalando um morro em Machu Picchu. Férias não contam. Melhor esquecer. Não produzo suor suficiente.
Meu lugar não é no pódio, e sim na arquibancada, na plateia, na frente da tevê.
Eu poderia (e provavelmente deveria) ser mais uma a dizer que é um absurdo o que gastaram nessa Olimpíada do Rio, que é um vexame a infraestrutura ser tão meia-boca, mas à medida que o evento acontece, meu espírito crítico vai minguando, contraindo e dando espaço para o coração expandir (palavrinha trazida na bagagem de todas as comitivas: coração).
A verdade é que acho bacana tudo isso.
Vários jovens de diversas nações unidos pela farra, mas competindo por um frame de segundo que pode virar um recorde. Braços musculosos, abdômens inexistentes, bíceps, tríceps e sorrisos confiantes. Gente que se alimenta direito, que acorda cedo, que treina, que vive no ginásio, que quase não namora, ou namora escondido, gente que não chega nem perto de droga, gente que rema, dribla, salta, pontua, supera. De quatro em quatro anos, novos deuses do esporte cantam seus hinos pátrios, carregam medalhas no peito e voltam pra casa com a missão cumprida.
Dessa vez acontece no quintal da gente, nessa casa esculhambada que conhecemos como ninguém, mas mesmo que alguma coisa ou muitas coisas deem errado, só nos resta aplaudir – e no outro dia acordar cedo para caminhar, modestamente caminhar: se não a sua, minha única forma de compartilhar.
Jornal Zero Hora - 07 agosto 2016
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