A arte salva
A arte formula perguntas, nos devolve o mistério, nos coloca diante do desconhecimento, que é a única forma de crescer
A já remota cerimônia de abertura da Olimpíada no Rio deixou claro que música, dança e teatro não são supérfluos, que precisamos de um Ministério da Cultura forte e valorizado, e que arte também é uma religião.
A arte possibilita a comunicação instantânea entre povos que não falam a mesma língua e não possuem os mesmos costumes. A arte acessa em cada um de nós uma emoção que suplanta as mesquinharias triviais e cotidianas. Traz à tona valores fundamentais, a começar pela humildade. A arte nos reposiciona: saímos do lugar-comum, transcendemos e passamos a desenvolver um olhar mais amplo e generoso para o que nos cerca. A arte homenageia nossa inteligência e nossa sensibilidade. A arte é universal. É feita de mágica, beleza, espanto. Cala a nossa voz e desperta nossos sentimentos, sem os quais seríamos pessoas vazias, robotizadas.
Através da arte, nos aproximamos de outras vivências e combatemos nossos preconceitos. A arte é empática. Elimina fronteiras. Desconstrói rótulos. Mesmo quando comercial, traz sempre um valor intrínseco. A arte não tem que atender nossas demandas, não tem que ser “boazinha”, não tem que ser prática – ela existe para provocar, para desenterrar aquilo que escondemos de nós mesmos por covardia: emoção dói, por isso choramos. Ela recupera a inocência da infância, aquele tempo de descobertas, quando nada sabíamos. A arte formula perguntas, nos devolve o mistério, nos coloca diante do desconhecimento, que é a única forma de crescer. A arte impõe a subjetividade como caminho para a evolução.
Precisamos da arte para extrair de nós o nosso melhor. Portanto, que nossas escolas invistam em aulas de teatro e música, que mantenham oficinas de literatura, que coloquem o artesanato no currículo, que não apenas levem os estudantes a museus, mas que também os habilitem a manejar luz, som, matéria. Sem desprezar o mundo digital, que as crianças voltem a fazer trabalhos manuais, encontrando uma forma legítima, autêntica e excitante de criar algo que as personalize.
Não é preciso Deus quando se pode contar com maestros, bailarinos, compositores, instrumentistas, cineastas, escritores, pintores, dramaturgos, ceramistas, escultores, designers, atores, cantores, coreógrafos, malabaristas – e inclusive atletas. Nadia Comaneci foi uma artista. Garrincha foi um artista. Toda pessoa que consegue transformar o inesperado em poesia – através de um salto, um drible – reforça nossa autoestima e nossa fé. Se religião é crer, eu creio na arte. Ela não promove guerras, intolerância, terrorismo, repressões. Ela apenas retribui nossa crença nela, fazendo com que acreditemos em nós também.
Jornal Zero Hora - 14 agosto 2016
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Vem cá, me dá um abraço?!?!?