Em slow
Ao assistir a uma das provas de salto sincronizado na Olimpíada (eu sei que o assunto é antigo, não vou me demorar nele, um pouquinho de paciência), o que mais me impressionou não foi a destreza das atletas, e sim a precisão da comentarista. As meninas pulavam do trampolim e em dois segundos entravam na piscina, e então a comentarista, muito antes do replay, dizia exatamente qual delas tinha tocado primeiro com a mão na água, se a perna direita estava esticada e se a esquerda estava levemente flexionada, como se o salto não tivesse ocorrido durante uma piscadela.
Quando vinha o replay em slow, bingo: tudo o que a comentarista havia percebido a olho nu estava ali, confirmado. O mesmo se dava com os comentários da Daiane dos Santos sobre as piruetas da Simone Biles. Como é que a Daiane conseguia contar quantos mortais haviam sido dados pela americana supersônica antes do replay?
Queria ter esse preparo. Estou mais para faísca atrasada. Meu dinamismo não consegue mais acompanhar o looping vertiginoso da vida.
Um dos meus hobbies favoritos tem sido descobrir coisas que, mesmo em sua velocidade normal, parecem estar em slow (eu sei que não é um hobby, o nome disso talvez seja escapismo, mas tenha paciência comigo um pouquinho mais). Um exemplo? Um camelo caminhando pelas dunas do deserto. Um camelo, em velocidade normal, caminha mais devagar do que o Usain Bolt em câmera lenta. A girafa, a mesma coisa. Ela esbanja elegância em sua falta de pressa – e mesmo que estivesse apressada andaria com a mesma languidez.
Tenho exemplos melhores, calma. O avião.
Pensa. O avião, o meio de transporte mais rápido que conhecemos, decola como se fosse uma bolha de sabão e aterrissa suavemente, como uma folha caindo de uma árvore – bolhas e folhas jamais atingirão o efeito fast forward. E não bastasse a sofisticação da decolagem e da aterrissagem, o avião cruza os céus lá em cima como se estivesse a 20 km/h, enquanto um periquito passa pelos nossos olhos a jato.
A onda no mar. Talvez o exemplo mais hipnótico. Toda onda se forma com preguiça e quebra como se fosse um movimento de tai chi chuan. O oceano pode estar revolto, uma tempestade se formando, e mesmo assim a ondulação das águas se parece com as mãos de um maestro regendo um compasso tranquilo.
Por que perco tempo com isso? Justamente para tentar segurar o tempo, esse senhor afobado. Quanto mais ele se precipita e dispara, mais eu ajusto o foco e reconheço a nobreza do vagar. Do fluir. Do flanar.
Um beijo, um sentimento ou mesmo uma reflexão. Tanta coisa que eu não queria que passasse ligeiro – mas passou. Obrigada pela paciência.
Jornal Zero Hora - 24 agosto 2016
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