Certas idades cintilam mais do que outras. Os 15 marcam o fim da infância, os 30 não teriam tanta relevância não fosse Balzac e os irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle, já os 40 nunca precisaram de livros e canções: eram donos absolutos do título “metade da vida”, o momento de decidir se as escolhas feitas na juventude tinham fôlego para manter-se ou se era hora de mudar de rota. Isso antes de vivermos tanto. Hoje em dia, metade são os 50, numa existência (otimista) de 1 a 100. Todos acusam o golpe: fez 50, passou para o outro lado.
Os 60 e 70 são marcantes também, por mais que esses números causem rebuliços na vaidade: como eu, me sentindo tão jovem, seja considerado de terceira idade? Como eu, com a cabeça tão boa, tenha os joelhos fracos e os olhos embaçados? Como eu, logo eu, tenha chegado até aqui sendo chamado de tio e tia se até ontem era um playboy, uma gatinha, um ser ainda valioso no mercado erótico? É quando começa o curto-circuito entre a jovialidade do espírito e a decadência do corpo, entre a jovialidade da mente e a decadência da vontade; aprendemos forçosamente a nos equilibrar entre o mais e o menos, entre o novo e o velho. Há que se ter maturidade para equalizar e extrair dessa passagem do tempo um diagnóstico positivo da experiência.
Até que se chega aos 80. É a idade (com margem de erro de dois pontos para mais e para menos) dos pais dos meus amigos, dos meus próprios pais e de inúmeras pessoas que admiro. E o que tenho visto é só celebração. Os 80 são motivo de festa, de orgulho e de uma espécie refinada de liberdade. Já não há mais tanta preocupação com o que os outros pensam, assume-se um pódio de chegada onde o troféu é olhar para trás e ser grato pela estrada percorrida, pelas conquistas profissionais, pela família constituída e pelos amores que nos tiraram o sono – para o bem e para o mal. Quem é que chega aos 80 sem nada para contar? Não há como não se ter uma biografia aos 80. Você pode se sentir vencido, mas venceu também. Foi além da expectativa do IBGE. E o prêmio é não precisar mais atender às demandas do mercado.
Não tenho pressa nenhuma de atingir essa meta, sei que tem o lado perturbador, mas, sendo inevitável (aquela alternativa? não, obrigada), melhor render-se e desfrutá-la. Esta crônica é dedicada ao genial Luis Fernando Verissimo, um dos poucos ídolos que tenho – o outro é Woody Allen, rumo aos 81. Grandes homens que souberam honrar os anos vividos, que compartilharam conosco sua inteligência, humor e cultura, e que nos fazem perder o medo de chegar lá: onde tantos temem a aridez e a improdutividade, ainda há terreno fértil, esperança e futuro.
Jornal Zero Hora - 28 setembro 2016
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