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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 18/04/2012

Pode ir 

No domingo 8 de abril, foi ao ar a entrevista que o ator Reynaldo Gianecchini deu à jornalista Marília Gabriela. Houve quem se apegasse ao selinho e ao “te amo” no final, que nada mais foi do que uma manifestação espontânea de afeto entre ex-amantes que se dão bem, mas o que merece registro foi a abertura emocional da conversa, coisa que a TV não costuma esbanjar. 

A entrevista comoveu do início ao fim, chegando perigosamente perto do piegas, porém Gianecchini foi tão grandioso, que calou qualquer crítica. Não perdeu a classe, não se vitimizou, falou com desenvoltura e honestidade – foi perfeito. 

Houve um momento que sobressaiu aos demais. Foi quando ele contou como foram os últimos instantes de vida do pai dele, que também tinha câncer e que veio a falecer. Gianecchini, sabedor de que o pai estava desenganado, foi ao hospital e juntos tiveram a oportunidade de conversar sobre diversas questões pendentes – que pais e filhos não têm questões pendentes? Não querendo ser mais um a choramingar “por que não disse tal e tal coisa ao meu pai quando ele era vivo?”, foi lá e fez o dever de casa. 

Tiveram tempo para zerar as dívidas. Quando não havia mais o que falar, Gianecchini abraçou o pai longamente e disse: “Pode ir”. Então olhou para os monitores e viu que os batimentos cardíacos dele começavam a cair, que o pulso começava a cair – o pai começava a morrer. Ele acompanhou a morte chegando, até que as máquinas deram o sinal de que tudo havia acabado. “Não senti tristeza. Senti paz.” 

Entre tantas coisas difíceis que enfrentamos na vida, as despedidas estão entre as mais cruéis. Dificilmente sentimos paz: romper um vínculo é uma pequena morte, e com ela advêm a dor, a culpa, a saudade e o medo diante do que o futuro reserva.

Mesmo as despedidas do tipo “fácil”, como as que ocorrem em aeroportos e rodoviárias, são angustiantes: quando nos veremos de novo? Ao menos, sabe-se que haverá um novo encontro, seja quando for. Já as difíceis implicam separação definitiva. Incluem-se aí divórcios, fins de namoro, discussões que dissolvem amizades, sociedades, empregos. Apesar de necessárias, sangram por dentro. Adeus. Palavrinha fatal. 

Pois Gianecchini reverteu a tese de que toda despedida é um suplício. Diante do irreversível, não fez drama. Sofrimento e drama não são sinônimos. Existe o sofrimento pacífico, assimilado, generoso: “Pode ir”. É a aceitação da morte como um rito de passagem tanto para quem vai quanto para quem fica. 

O drama é que torna tudo mais doloroso. Elimina a razão, não permite formulações nem aprendizado, apenas corrói, desespera. O drama, que tem na despedida sua cena representativa clássica, é cafona e improdutivo: o tempo que gastamos arrancando os cabelos poderia ser mais bem aproveitado se transformado em meditação e humildade. Aceitar o luto inerente a tudo que acaba é sabedoria das mais refinadas. 


Jornal Zero Hora - 18 abril 2012
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