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sábado, 15 de setembro de 2012

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 16/09/12


Martha Medeiros está em férias e volta na próxima edição. Esta coluna foi originalmente publicada em 27 de maio de 2009 e faz parte do livro Feliz por Nada. 

A era do compacto 


Estava num avião, voando do Rio para Porto Alegre. Ao meu lado, um casal. Ele lia Retrato em Sépia, de Isabel Allende. No finalzinho da viagem, fechou o livro e fez o seguinte comentário pra esposa: Por mim, os livros não precisariam ter este número de páginas, um resumo da história estaria mais do que bom. 

Há quem escolha um livro pelo número de páginas. Se tiver mais que duzentas, não chega nem perto. Livrão: taí uma coisa que não me inibe. É bem verdade que um tijolaço não é lá muito agradável de segurar, mas nada impede que seja devorado com prazer. No entanto, é uma exceção que abro para a literatura. Para quase todo o resto, sou fã dos compactos. 

Cinema, por exemplo. Não entendo por que esta mania agora de filme com três horas de duração. Era tão bom quando os filmes duravam no máximo duas horas. Sessões às 14h, 16h, 18h, 20h. Agora as sessões começam em horários mais esdrúxulos: 14h10min, 17h25min, 20h50min. E o troço não termina nunca. 

Peça de teatro, nem me fale. deveria ser lei: não durar mais do que 90 minutos – que o Zé Celso Martinez Corrêa não me ouça. Gosto muito de teatro, mas também gosto muito de jantar. Em tempo: tampouco gosto de me estender demais nos restaurantes. Não gosto de me estender em festas. Não gosto de me estender demais fora da minha casa e fora da minha rotina. Não gosto de nada que extrapole o tempo regulamentar do meu humor e da minha capacidade de simpatia.

Reconheço que nada do que estou dizendo é digno de aplauso. Manda a etiqueta não se apressar, usufruir de tudo com calma, dar tempo para que as coisas se desenvolvam. Na teoria, concordo. na prática, sou menos paciente. Não lido bem com situações que se arrastam, com falta de objetividade, com rodeios. 

Fico nervosa com gente que fala muito pausadamente e leva 10 minutos pra dizer o que poderia ser dito em três. Pessoas que perdem horas ao telefone sem chegar logo ao ponto. Música que repete à exaustão o estribilho: eu cortaria uns quatro “lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, hey, Jude...” no final da música dos Beatles. Que heresia: sobrou até para os Beatles. 

E o que dizer de um palestrante que ama a própria voz – e e-mails do tamanho de teses de mestrado? E de doutorado? E novelas? Alguém me explica por que ainda fazem novelas que duram oito meses? 

Estou dando a impressão de que fui abduzida por esse mundo que não enaltece o prazer, que não se entrega à reflexão, que não curte as travessias. Mas a verdade é que eu ainda me regalo – e muito – com prazeres, reflexões e travessias, sem achar que para isso é necessário que elas me esgotem, que me obriguem a chegar na outra margem sem fôlego. 

Para provar que não sou um caso totalmente perdido, algumas coisas ainda aprecio que sejam longas, como as amizades, as caminhadas, as conversas em volta da mesa, nosso tempo de vida. E uma boa transa, claro. 

Já sexo tântrico é outro exagero. Cinco horas pra atingir o orgasmo? Esse pessoal não tem que trabalhar no dia seguinte? 
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