De onde vem a nossa dor
A dor nas costas vem das costas, a
dor de estômago vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor
existencial, vem de onde?
Ela vem da história que você meio que
viveu, meio que criou – é sabido que contamos para nós mesmos uma narrativa que
nem sempre bate com os fatos. Nossa memória da infância está repleta de
fantasias e leituras distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que
decidimos oficializar e passar adiante, e dela resultam muitas de nossas
fraturas emocionais.
Nossa dor existencial vem também do
quanto levamos a sério o que dizem os outros, o que fazem os outros e o que
pensam os outros – uma insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam
os outros? Pensamos no lugar deles e sofremos por esse pensamento imaginado.
Nossa dor existencial vem dessa transferência descabida.
Nossa dor existencial, além disso,
vem de modelos projetados como ideais, a saber: é melhor ser vegetariano do que
comer carne, fazer faculdade de medicina do que hotelaria, namorar do que ficar
sozinho, ter filhos do que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna
entre quem você é e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de
confundi-lo: existe mesmo uma lógica nas escolhas?
Como se não bastasse, nossa dor
existencial vem do que não é escolha, mas destino: quem é muito baixinho, ou
tem cabelo muito crespo, ou é pobre de amargar, ou tem dificuldade de perder
peso vai transformar isso em uma pergunta irrespondível – por que eu? – e a
falta de resposta será uma cruz a ser carregada.
Nossa dor existencial vem da
quantidade de nãos que recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas
isso, uma proposta negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos,
uma conscientização das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de virarem
traumas ou convites à desistência.
Nossa dor existencial vem do bebê bem
tratado que fomos, nada nos faltava, éramos amamentados, tínhamos as fraldas
trocadas, ninavam nosso sono, até que um dia crescemos e o mundo nos comunicou:
agora se vire, meu bem. Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por
acaso deixou totalmente de ser criança?
Nossa dor existencial vem da
incompreensão dos absurdos, da nossa revolta pelos menos favorecidos, da inveja
pelos mais favorecidos, da raiva por não atenderem nossos chamados, por cada
amanhecer cheio de promessas, pela precariedade das nossas melhores intenções e
pela invisibilidade que nos outorgamos: por que nunca ninguém nos enxerga como
realmente somos?
Dor de dente vem do dente, dor no
joelho vem do joelho, dor nas juntas vem das juntas. Nossa dor existencial vem
da existência, que nenhum plano de saúde cobre, de tão difícil que é encontrar
seu foco e sua cura.
Jornal Zero Hora - 24 novembro 2013
.
.
Adoro essa crônica dela!
ResponderExcluirVindo dela, meio difícil não gostar hehe
Tenho uma página no Facebook e, recentemente, criei um blog onde também publico crônicas de minha autoria, aproveito para deixar os links:
https://www.facebook.com/patriciasepinheiro
http://patriciapinheirotextos.blogspot.com.br/
Adorei o blog!
Beijos!!