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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 15/01/14

Gritos e sussurros

A série Amores Roubados já recebeu muitos elogios – merecidos – e vim aqui ajudar a confirmá-los: tudo é mesmo excelente. Fotografia, direção, roteiro, elenco, trilha sonora. Se os puristas quisessem reclamar de algo, talvez apontassem o dedo para a sonoplastia: nem sempre se entende o que os personagens dizem. Mas ninguém reclamou, e, mesmo passando meio despercebida, a sonoplastia também é responsável pelo aroma de renovação que o programa exala.

Os atores sussurram, baixam o tom no fim das frases, suspiram, viram de costas para a câmera. O calor do Nordeste e a consequente preguiça que advém das altas temperaturas não convidam a excessos verbais. Nada de discursos inflamados. Economiza-se a voz, vai-se direto ao ponto, e quem não entendeu, não entendeu.

Mas a gente entende, porque é muito parecido com o que acontece entre nós, nas nossas casas. Nem sempre é preciso dizer tudo, as circunstâncias também têm voz, os acontecimentos falam, o desenrolar da vida ajuda a narrar a história e, se por acaso ficou faltando a clareza de uma palavra, o contexto dá conta de manter a compreensão dos fatos.

Nesse ponto, vale lembrar o extremo oposto: a novela Avenida Brasil, que foi encenada aos gritos, todos falando ao mesmo tempo, uns por cima dos outros, muitas vezes também nos fazendo desconfiar dos próprios ouvidos: o que foi mesmo que a Carminha disse? Um barraco por dia, descompostura geral, ninguém ali era lorde, os braços falavam junto, o corpo inteiro, olha pra mim, sente minha emoção, não precisa entender tudo o que digo.

Mas a gente também entendia, porque também era parecido com o que acontece entre nós, nas nossas casas, quando interrompemos a fala do outro na ansiedade de dizer o que pensamos, na pressa de nos comunicarmos, na busca daquela autoridade conferida a quem fala mais alto, a quem fala por último, a quem usa a eloquência na tentativa de encerrar o assunto.

A realidade crua tem sido a grande novidade, um presente ao telespectador que espera por mais. Tramas mastigadinhas divertem, distraem, mas não ganham nosso respeito, não nos dão a sensação de que fomos levados a sério, de que acreditaram na nossa capacidade de compreensão. Quando uma obra se atreve a fugir de uma fórmula consagrada, ela faz uma homenagem à nossa inteligência.

E aproveito para mencionar também Azul é a Cor mais Quente, filme que comento com atraso – todo mundo já rendeu loas –, mas que é outro exemplo de vida cravando os dentes, indo além de gritos e sussurros, privilegiando olhares, gemidos, lágrimas, suores, nuances, tensões, tesões, tudo o que comunica sem precisar de uma palavra exata.

A plateia agradece a confiança.



Jornal Zero Hora - 15 janeiro 2014
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Gente, preciso pedir desculpa pelo atraso nas postagens das crônicas da 
Martha Medeiros. Tenho trabalhado bastante, filhos de férias, visitas em casa 
e uma internet que não colabora quando sobra um tempo. Fico bem feliz porque
 vejo que mesmo com essa minha falta,o número de visitas ao blog só aumenta, obrigada. 
Tenham um "cadinho" mais de paciência.
Não me abandonem.

Abraços,
Lu

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