Sem palavras
Acabo de ser
apresentada ao trabalho de John Koenig, um web designer americano que lançou
uma série na internet chamada Dicionário das Dores Obscuras (Dictionary of
Obscure Sorrows). A intenção é nomear emoções ainda indefinidas. Qual é o nome
para aquele desejo de desaparecer que nos acomete no meio de uma quinta-feira
qualquer? Como se chama aquele frisson ao fazermos um ligeiro contato visual
com algum desconhecido?
Que palavra
resumiria o desconforto de perceber que estamos apenas repetindo a história já
vivida por tantos? E a angústia de que o tempo está passando cada vez mais
rápido? A cada semana, Koenig posta belos vídeos de cerca de três minutos
apresentando uma palavra inventada para conceituar tudo isso. O texto é
inteligente, melancólico e comove. Como diz uma amiga minha: como é que ninguém
pensou nisso antes?
O projeto é
original (vale a pena dar uma olhada, está no YouTube), mas fiquei pensando: a
gente precisa mesmo nomear o inominável? Me vieram à cabeça dezenas de
situações que experimento e que nunca foram batizadas. Por exemplo, algo bom me
deixar inexplicavelmente triste. Lembrar cenas de um passado remoto que não sei
se aconteceram mesmo ou se inventei.
Abrir meu
coração e, ainda assim, parecer que estou mentindo. Ter a súbita consciência de
que não faz sentido me preocupar com o que quer que seja. Não conseguir desviar
os olhos do fogo. Estar numa festa e sentir como se estivesse vendo tudo aquilo
de fora, como se eu não estivesse ali de verdade. Imaginar coisas terríveis
acontecendo com quem mais amo, logo com eles.
Ao entrar
nesse assunto, é inevitável lembrar a palavra saudade, que não existe no
vocabulário de quem fala inglês. Anglo-saxões costumam sentir falta (I miss
you), mas não possuem um substantivo que defina essa sensação de ausência
dolorida.
Nós possuímos
e a usamos sem parcimônia. Nas redes sociais, declaramos sentir saudade de
amigos, inimigos, de tudo e de todos, da última festa, do último beijo, do
último churrasco, saudade de ontem e também dos velhos tempos, saudade dos
outros, de nós mesmos, saudade de quem se foi para sempre e de quem viajou semana passada,
saudade de sabores, de músicas, de turmas, de épocas. É tanta saudade assim? Ou
o fato de termos uma palavra à mão é que invoca tamanha nostalgia?
Como escreveu Adélia Prado: a coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Ele não se presta a banalizações. Portanto, esses inúmeros insights que me
ocorrem e que ocorrem também a você, sem que haja nenhuma palavra que os
especifique e conceitue, talvez sejam os últimos meios de conceder algum lirismo
à nossa existência. A poesia é o verdadeiro dicionário das dores obscuras.
Jornal Zero Hora - 08/07/15
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