Qualquer um
A reclamação é antiga, mas continua vigente: mulheres se queixam de que não há
homem "no mercado". Acabo de receber um e-mail de uma delas, contando
que faz parte de um grupo de mulheres na faixa dos 35 anos que são
independentes, moram sozinhas, trabalham, falam idiomas, são vaidosas, têm
cultura, fazem ginástica e que, mesmo com tantos atributos, seguem solteiras e
temem não haver tempo para formar a própria família. No finalzinho da mensagem,
descubro uma pista para a solução do problema: "Apesar de o relógio
biológico estar nos pressionando, não queremos procriar com qualquer um.
Queremos um cara bacana para ir ao cinema, almoçar no domingo, viajar nos
finais de semana".
Claro. Quem não quer?
Não há problema nenhum em ser exigente, em querer uma pessoa que seja especial.
O que me deixa intrigada é que há mais probabilidade de você encontrar
"qualquer um" do que um deus grego com um crachá escrito Príncipe
Encantado. Então me pergunto: as mulheres estarão dando chance para que este
"qualquer um" demostre que está longe de ser um qualquer?
Sou capaz de apostar que a maioria das mulheres, no primeiro papo, já elimina o
candidato, e quase sempre por razões frívolas. Ou porque o sapato dele é
medonho, ou porque ele não sabe quem é Roman Polanski, ou porque ele gosta de
pizza de estrogonofe com banana, ou porque ele só gosta de comédia, ou porque
ele mistura steinheger com cerveja, ou porque o carro dele é um carro do ano.
Do ano de 1991.
Imagina se você, proveniente de uma família estruturada, criada
dentro de padrões de bom gosto, com qualidades encantadoras, vai se envolver
com este... com este... com este sei-lá-quem.
Pois o "sei-lá-quem" pode ser, sim, aquele cara bacana que levará
você para almoçar no domingo, mas você tem que dar uma mãozinha, minha linda.
Recolha seus pré-julgamentos, dê umas férias para seus preconceitos, deixe seu
orgulho de lado e saia com ele três, quatro vezes, até ter certeza absoluta de
que o sapato medonho vem acompanhado de um caráter medonho, de um mau humor
medonho, de uma burrice medonha. Porque se o problema for só o sapato e a pizza
de estrogonofe, isso se dá um jeito depois, ele não há de ser tão inflexível.
Aliás, e você? Garanto que também não sai pela rua com uma camiseta piscante
anunciando Mulher Maravilha. Ele também vai ter que descobrir o que há por trás
da sua ficha estupenda, e vá que ele implique com as três dezenas de
comprimidos que você ingere por dia, com sua recusa em molhar o cabelo no mar,
com sua fixação por telefone ou com os seus sutiãs do ano. Do ano de 1991
também.
Esta coisa chamada "história de amor" requer um certo tempo para ser
construída, e as que dão certo são aquelas vividas com paciência, com o
espírito aberto e geralmente com qualquer um que consiga romper nossas defesas
e nos fazer feliz.
Martha Medeiros
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